sexta-feira, maio 04, 2007

oco

com dedos delicados
e entregues como um corpo ao arrepio
descobri esse discurso de medo no meio da praça.

dia normal de toda guerra.
saltou, invisto, pra dentro.
roendo o ponto entre o coração e a garganta.

fora, os homens passavam. estão felizes
os homens e as mulheres. todos
em festa, todos, iluminados, bonitos,

perfeitos, vitrine, superfície lisa,
finíssima camada de nada, mas visível,
para mostrar nada, para dizer nada.

nada além de um arco-íris raso pra
machucar algum alienígena que se
atreva a desfazer essa vitrine to-

da feita de pedaços de soluços
sossegados lá embaixo do sussuro
de uma reza assombrada e sem repouso.

e sem repouso a terra nos expele, feito
praga, feito pele de amor extinto, feito
um feio desalmado em shopping center,

feito um choro há muito esquecido,
muito, muito chorado e não querido
nem sabido nem ouvido nem chorado.

vem que te agasalho, vontade de chorar.
se a ninguém tu apateces, menos a mim
que já vontade não tenho de tanto choro

chorado, tanta dor esvaída, tanto peito
queimado nessa porcaria de não saber
o que fazer, sentir, prever, ou só olhar.

e mesmo assim vou te abraçar
como se abraçasse esse amigo tão bonito
que me traiu e voltou pra casa

sem saber que vinha para mim.
meu choro, que não é meu, é de algum
algum espírito passante, ou é a dor

geral de rei e roca que um velho careca
cantava, pra nosso ódio e amor irrestritos?
no abraço essas coisas se dissolvem.

fica o choro, que já vira uma canção.
depois, uma canção que vai virar silêncio
e em silêncio nos diremos medos

vergonhas, sorrisos, sonhos
(matéria ridícula, se contar os placares)
como se não houvéssemos existido.

como se fôssemos flauta para todo
som. como se fôssemos plástico, forma
oca para o que a gente não entende.

1 Comentários:

Blogger BuHh - Bruna Mayer de Souza disse...

Bravo!
Adoro esse.
Talvez também por ver tanto de você nele.
Te amo.

9:17 PM  

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