terça-feira, fevereiro 19, 2008

tato

uma luz veio pela porta aberta
e força o olho que não quer.
pés passando por cima do tapete
sem barulho, mas destróem.
alguma coisa está morrendo,
um bicho ou uma casa, sem saber.
o tempo-micro mata sem descanso
não há água nem riacho e nem sombra
de dúvida, algo morre. dizem
que é pro mundo renascer.
algo não quer morrer, se recusa.
e alguma coisa se usa
para se cobrir essa recusa:
livro debaixo da blusa
coisa debaixo da mão
medo na respiração
ato contrito de tapear a luz
que entra pela porta, que apara
rente toda im[pus]tura,
que lava, enfim, doendo, e queima.
só depois nasce outra coisa.
ó depois, que é agora. eu dei minha vida
e não recebi ouro, nem prata
nem o sangue da lagarta,
nem setenta e duas virgens,
mas apenas outro dia,
outra vida e outro sol. outra vida
é mesma vida. e não posso mais morrer.

domingo, janeiro 27, 2008

eu

quem é esse eu?
duas letras mal usadas
para falar de nada
que caminha entre ares
e faz linhas que se cruzam
que faz letras e faz arte?

quem se chama eu?
como eu me chama?

vão dizer o outro lado do espelho
que está na frente
ao contrário, inverso
do que acaba e vira,
outra linha, conexa, e mira
no que seria o verdadeiro?

eu duas letras
dois nomes, duas linhas
conectando nada
e fazendo um riso
e fazendo um ricto
desfazendo u.

sexta-feira, setembro 14, 2007

o outro

todo passo importante eu dei em silêncio.
por ora, chega.
se uma porta se abre, a mão que espera o golpe ou ou riso está ali, presente.
não sei oque dela fazer, nunca soube, não vai ser agora que.

prefiro essa voz sem carne que te fala sem sugerir imagens
mesmo um isso ou outra coisa.
está na tua frente.
não, não está.
não importa. mas é bom saber na hora
em que acontece
qualquer coisa, pelo menos eu acho.
mas não acham. importante é esse lado
de medo que teima em esconder
outra coisa que sabe.

eu queria ser salvo sim.
mas não vai dar.
acho que vou ter que salvar a mim mesmo.
é muita coisa pra fazer
e eu não sei fazê-las.
Deus já me deu o silêncio
que eu preciso pra pensar.
Dava pra pensar que os olhos olham de cima
(ciméria, quimera)
mas o que não tem olhos, como entender?

outro muro.
simbora.
'bora.

quinta-feira, julho 19, 2007

cada

se cada palavra
importa
o sentido (sentido)
de outra palavra
e se cada porta
é outra porta (porta)

então
um pé
é outro pé
que não este.
um é
noutro é
ou[t]ro mesmo.
este é
o que é
não humano
mão emana
não humana
mão humana

não maquina
não é máquina
que na mão
se maquila
numa quina
já mais clara
já não canto
já mais cara.

se uma
outra
coisa é,
sinta
o que não mede,
[f]é[?].

para lá

percebo o quanto as coisas escaparam
e escapam com continudade a toda prova
na boca que dizia que tudo se renova
nos dentes que na tentativa mordiscavam
mas o mundo continua o mesmo, idêntico
talvez apenas mais rápido, mais indeciso
nas linhas que se fingem imprecisas
na distância das pessoas, contígua
bem ao lado, muito dentro de mim
insatisfeita como amor a se aprender.
depois de aprendido, tem o que mais.
depois de mais, volta a mesma coisa.
depois da mesma coisa, outra mesma coisa
depois de nós, desfazer. nunca se acaba
porque nunca se transformou. essa mancha
que não acaba de nascer, essse tempo
sempre de tentar algo, de se desfazer, de
esvaziar o sentido das coisas,
vai para longe, nunca se ausenta. todos que ficaram
tudo que não está, está sim.
todas as feridas me ferem fundo, as que não fiz principlmente.
se há tempo de desfazê-las, não sei
o vórtice pequeno e exato dos minutos puxa para longe.
tanto tempo olhando o futuro
o passado e o presente nunca se fizeram.
pobre, pequeno, insulado. o mundo é feio.
não gosto dele, mas preciso.
poema inútil.

sexta-feira, maio 04, 2007

oco

com dedos delicados
e entregues como um corpo ao arrepio
descobri esse discurso de medo no meio da praça.

dia normal de toda guerra.
saltou, invisto, pra dentro.
roendo o ponto entre o coração e a garganta.

fora, os homens passavam. estão felizes
os homens e as mulheres. todos
em festa, todos, iluminados, bonitos,

perfeitos, vitrine, superfície lisa,
finíssima camada de nada, mas visível,
para mostrar nada, para dizer nada.

nada além de um arco-íris raso pra
machucar algum alienígena que se
atreva a desfazer essa vitrine to-

da feita de pedaços de soluços
sossegados lá embaixo do sussuro
de uma reza assombrada e sem repouso.

e sem repouso a terra nos expele, feito
praga, feito pele de amor extinto, feito
um feio desalmado em shopping center,

feito um choro há muito esquecido,
muito, muito chorado e não querido
nem sabido nem ouvido nem chorado.

vem que te agasalho, vontade de chorar.
se a ninguém tu apateces, menos a mim
que já vontade não tenho de tanto choro

chorado, tanta dor esvaída, tanto peito
queimado nessa porcaria de não saber
o que fazer, sentir, prever, ou só olhar.

e mesmo assim vou te abraçar
como se abraçasse esse amigo tão bonito
que me traiu e voltou pra casa

sem saber que vinha para mim.
meu choro, que não é meu, é de algum
algum espírito passante, ou é a dor

geral de rei e roca que um velho careca
cantava, pra nosso ódio e amor irrestritos?
no abraço essas coisas se dissolvem.

fica o choro, que já vira uma canção.
depois, uma canção que vai virar silêncio
e em silêncio nos diremos medos

vergonhas, sorrisos, sonhos
(matéria ridícula, se contar os placares)
como se não houvéssemos existido.

como se fôssemos flauta para todo
som. como se fôssemos plástico, forma
oca para o que a gente não entende.

quinta-feira, maio 03, 2007

um

Descobri
o silêncio.
Está aqui.
Cale.
Deixe.
Peça.
Nela, inclusive.
Feixe.

Não,
não escutam. Deixe.
Apenas a maré que você não entende.
Mas não está onde você não entende.
Nem onde você entende.
Nem no oposto de ambas.

Um abraço
está aqui
está aí.
Assim
pousa no braço
(como uma rosa?)

sábado, fevereiro 24, 2007

Lâmina

Pois, simples
dor, como o samba.
O que existe,
Vinicius já disse,
Cabral intuiu
e eu,
não.

Desânimo, Fulana.