quarta-feira, janeiro 31, 2007

Carta a Deus I

Não tenho mais joelhos
que arquem com as conseqüências de cair.
Minhas mãos se gastaram
nas poeiras, nos devios, nas pancadas
dadas, defendidas, sentidas.
Meus olhos se fecham
como sempre se fecharam:
entendem.
Meu pedido
se perdeu.
Sobrou... o que sobrou?
A sombra mesmo se foi
embora
tenha deixado um pulso, uma pulsação,
o ar saiu dos pulmões,
que saíram, simplesmente abstraídos
como se nunca houvessem.
Resta uma posição, um feixe
não se sabe do quê.
O olho olha, mesmo não estando.
Para dentro, olha para cima.
De cima, Senhor, me olhas do centro
do dentro de tudo.
Não consegui sobrar nada.
Nem corpo, nem vontade, nem luz, nem maldade.
Sobrou um sopro,
um ritmo desmembrado, não perdido.
Sem joelhos, me ajoelho.
Sem luz, oro.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Soneto da paciência

O tempo não devora,
mas pra nós tudo é demora.
Nesse instante, que presente
tu me dás, se estás ausente?

Tua ausência já devora
o meu peito, com demora.
Nós, morando no presente,
como um do outro ausente?

Não podemos, não podemos
escapar dos nossos demos
por um segundo que seja?

Mas um segundo que seja
é pouco pro que queremos.
tempo virá. Esperemos.

Rodamundo

Sentado sobre si,
um ser humano atenta
tais e tais diferenças
que inventa. Quer mostrar
sua insígne diferença
e daí passar ao êxtase
de uma suma importância.

Quer a reta das calçadas,
quer o beijo das almas
e o intervalo, ó, eterno,
das saias das moças incautas
- mas te amo, mas te amo.
Assim quer esse ser
sobre si sentado.

Os olhos do lado
passam e olham, passam
para longe, nem viram
que a boca abaixo desenha
um desenho de desdém:
- Um coração exposto
e não vai salvar o mundo.

Não será um super-homem,
não te contará mistérios,
não descobrirá minérios
de escondidos esponsais.
Não dirá palavras
que jamais vos tenha dito:
escuridão e rutilância.

Não nos interessa, vamos
no caminho qual que seja.
Vamos, pois sobeja
a fome sem os olhos,
os olhos que não olham.
Coração de sangue, e para quê.
A fome não se mata.

O mundo, os olhos, a fome
ensinam com atraso.
Não dizem, e vencem
o esperado. Se era fonte,
se era sonho, ses é amor...
mas amor não seria?
Disso calemos. Melhor.

Sentado permanece
porque o mundo não me deixo.
Mão aberta, ele te prende
entre os erros dos teus dedos.
Inútil coração, é sempre o mesmo
ceú com nuvem, céu sem nuvem.
Nem defenestrar servia.

Mas fechado, ou se aberto,
deixa a chuva e deixa o sol.
Deixa a lua com seu frio,
deixa o sangue e seu vermelho.
As cobertas nessa noite
não as tem, ensimesmado.
Levantemos os olhos, laços.